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  • Foto do escritorAndré Cabral

Análise tem regra?



A psicanálise ficou conhecida como uma sofisticada e abrangente prática clínica e, ao mesmo tempo, foi rotulada como um compêndio de técnicas e procedimentos demasiadamente rígidos. Em tom jocoso, escuto, de amigos e familiares, que os analistas não podem sorrir e nunca devem realizar qualquer menção à sua vida particular ou manifestar qualquer tipo de afetividade diante do paciente. O manejo dos cuidados fundamentais para uma ética clínica que não limite a psicanálise a uma posição ortodoxa e distante parece, portanto, desafiante.

É sabido que Freud se assegurou de que alguns preceitos psicanalíticos se mantivessem inalterados, mas também é preciso compreender o tempo e o lugar em que ele desenvolveu e praticou a psicanálise. A Viena de 1900 pouco se assemelha à Belo Horizonte de 2020. De lá para cá, tivemos inúmeros movimentos de emancipação da mulher e da sexualidade, além de uma ampla discussão sobre gênero, o que incide diretamente no modo em que a sociedade se organiza.


Em seu consultório, Freud possuía duas antessalas. Com isso, ele objetivava que o cliente que deixasse a sessão não encontrasse o paciente do horário seguinte. Na atualidade, caminhamos em sentido absolutamente diverso. Com intuito de oferecer tratamento psicanalítico a moradores de rua, inúmeros consultórios foram instalados em praças e espaços públicos. Vê-se, então, que a psicanálise se desprendeu de condições que, a princípio, pareciam imprescindíveis.


É difícil imaginar, ainda, por exemplo, que alguém, como à época do desdobramento da psicanálise, envie, hoje, uma carta ou deixe uma mensagem na secretária eletrônica, quando outros meios de comunicação se mostram mais eficientes e rápidos.

Ademais, enquanto as sessões de Freud possuíam um tempo rígido de cinquenta minutos, de três a cinco vezes por semana, Lacan apresentou a possibilidade de análises com uma maior variabilidade de tempo, elevando a temporalidade do inconsciente à sua máxima potência. Sabe-se que, hoje em dia, a análise pode variar em sua duração e, principalmente, seus encontros podem ocorrer quinzenalmente, mensalmente, ou, em casos específicos, seguindo a solicitação do paciente.


O importante é que a prática psicanalítica se sustente em sua ética, isto é, eleve o princípio do inconsciente à sua potência máxima. Dito de outro modo, é necessário que a condução de uma análise siga os percursos subjetivos do analisando, sem que o analista se torne um normatizador do desejo. Nesse sentido, a prática clínica deve se guiar pelo que Lacan insistentemente manifestou em sua obra: que não se faça a educação pulsional em prol da moral na civilização.


 


André Cabral é psicanalista e faz atendimento clínico na cidade de Uberlândia e Araguari. É docente no curso de Psicologia da Faculdade do Trabalho (FATRA). Atende adolescentes, adultos e idosos frente aos mais diversos sintomas e sofrimentos psíquicos. Trabalha, ainda, com atendimento a casais e apoio voltado para a “orientação profissional” de adolescentes. Atualmente é doutorando em estudos psicanalíticos pelo programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem interesse na interlocução entre psicanálise e cinema, literatura, teatro e política.


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