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  • Foto do escritorAndré Cabral

Como funciona uma análise?



Pacientes que iniciaram, recentemente, um processo de análise costumam descrever o processo psicoterápico como a recapitulação de um saber a priori, pensado durante as horas anteriores ao atendimento. No entanto, o analisando, rapidamente, passa a notar que a fala em análise é sempre composta por novos elementos e conexões, em vez de constituída como uma simples repetição de conteúdos já conhecidos. Tal ideia não deve representar espanto ou estranheza, afinal, a associação nunca é tão livre como se pôde supor. A fala diante do analista parece, portanto, trazer elementos antes não ditos ou pensados pelo paciente.


Quando uma fala parece se esgotar, como se não mais estivesse trazendo nada além do que já é sabido, ocorre uma espécie de repetição incessante, sem que se consiga avançar. Na análise, ocorre, então, algo próximo à história de Shakespeare. Quando o espectro do pai de Hamlet aparece pedindo vingança – vale lembrar que o pai é morto pelo irmão, Cláudio, tio de Hamlet –, Hamlet não consegue fazê-lo. O herdeiro do trono dinamarquês sabe o que deve fazer, mas não o consegue. Freud aponta para a proximidade entre o ato hediondo de Cláudio e o desejo edipiano de Hamlet como a causa de tal inibição; Cláudio é o “homem que lhe mostra [a Hamlet] os desejos recalcados de sua própria infância realizados” – matar o pai e casar-se com a própria mãe, rainha da Dinamarca.


Deixando de lado o enfoque no parricídio e no incesto, encontramos, aqui, a questão do tempo exigido para que Hamlet conseguisse cumprir o pedido do pai. Depois das inúmeras hesitações do príncipe dinamarquês, que, como Freud bem observou, não é um personagem incapaz de matar – já que este assassina um curioso que ouvia atrás da cortina –, Hamlet consegue agir apenas nas últimas cenas da peça. Fere o tio com a espada envenenada, obrigando Cláudio, em seguida, a tomar o veneno da taça maldita, assassina, da rainha. Cláudio se suicida, sem que o herói dinamarquês tenha de cumprir, efetivamente, o pedido de vingar a morte do pai. Permanece, então, uma hesitação para o herdeiro do trono.


Assim como na peça, durante o processo de análise, o paciente sabe o que fazer – repete este saber, durante as sessões, numa fala incessante, mas é preciso deixar a fala ressoar. Há uma marca do impossível que a repetição incessante do saber não anula. É preciso, pois, inventar com o desejo. É como o viajante que, impossibilitado de subir a montanha, a contorna. Hamlet cumpre, então, o pedido do pai, mas por meio de um contorno. Resguarda-se, na sua hesitação, a marca do impossível.


Saliento, ainda, que, para Hamlet, seria possível uma invenção outra: a de não ter que cumprir sua mitologia familiar.

 


André Cabral é psicanalista e faz atendimento clínico na cidade de Uberlândia e Araguari. É docente no curso de Psicologia da Faculdade do Trabalho (FATRA). Atende adolescentes, adultos e idosos frente aos mais diversos sintomas e sofrimentos psíquicos. Trabalha, ainda, com atendimento a casais e apoio voltado para a “orientação profissional” de adolescentes. Atualmente é doutorando em estudos psicanalíticos pelo programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem interesse na interlocução entre psicanálise e cinema, literatura, teatro e política.



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